Material suplementar - Evolução
Material suplementar - Evolução

A sistemática reúne o estudo da diversidade orgânica e dos aspectos históricos da evolução, com base em métodos e práticas de descrição, nomenclatura e organização da diversidade dos organismos viventes e extintos. A abordagem funcional e evolutiva tem como base a filogenia, a qual possibilita identificar caracteres fundamentais associados a cada linhagem evolutiva principal. A história evolutiva de um grupo é denotada pela filogenia, a qual é resultante de uma matriz de dados baseada nas similaridades existentes entre dois ou mais grupos. Nesta matriz, as características precisam ser polarizadas, ou seja, aquelas que mais se parecem com o ancestral recebem o número 0 e as mais derivadas recebem números subseqüentes (1, 2, 3, etc.). Esse processo é feito comparando os grupos da análise com um ou mais grupos externos.

Se o número de características e de grupos analisados for pequeno, esse procedimento de montagem de cladogramas pode ser feito manualmente, sem a ajuda de um programa de computador. No entanto, quando o número de táxons (grupos) e caracteres é grande, os programas auxiliam o pesquisador a encontrar as árvores com o menor número de passos evolutivos, seguindo o Princípio da Parcimônia. A Sistemática Filogenética nunca parte do princípio de que o exemplar em mãos é o ancestral e sim apenas um táxon relacionado (com certo grau de parentesco) aos demais estudados.

Para a sistemática filogenética, as relações genealógicas só podem ser obtidas a partir da análise de similaridades especiais, os caracteres derivados. Esses atributos são, necessariamente, homólogos entre os grupos taxonômicos considerados. Árvores filogenéticas embasadas por sinapomorfias (caracteres homólogos entre os táxons considerados, ou então, característica em comum entre um grupo e seu ancestral comum) são compostas por táxons-irmãos, seno que estes compartilham sinapomorfias. Os grupos irmãos, reunidos com base em sinapomorfias, constituem um táxon monofilético.

OBS:Os estados de caracteres podem ser diferenciados em primitivos, ou mais antigos, denominados plesiomórficos, e em derivados, mais recentes, chamados de apomórficos. Uma apomorfia deriva-se a partir de uma plesiomorfia.

Estes grupos monofiléticos são os únicos que carregam a informação completa da história evolutiva de uma dada linhagem. Ao definir a evolução como descendência com modificação no tempo, a partir de um ancestral comum, o grupo monofilético corresponde justamente ao conjunto total de descendentes de um ancestral comum, este incluso, que compartilha as características exclusivas resultantes do processo evolutivo. A Sistemática Filogenét ica procura refletir o processo evolutivo, através da análise de grupos monofiléticos. Entretanto, existem ainda muitos grupos artificiais (não monofiléticos) nas classificações biológicas, como os grupos parafiléticos e os polifiléticos. O grupo parafilético é formado por uma espécie ancestral, mas não inclui todos os descendentes desta. Apresentam um ancestral comum, mas não exclusivo. Já o grupo polifilético é formado por espécies que apresentam dois ou mais ancestrais diferentes, sem que haja um ancestral comum.

O objetivo da cladística é, portanto, reconstruir uma “árvore da vida” com base apenas em táxons monofiléticos. Se duas espécies apresentam o estado derivado do caráter (apomorfia), isso sugere que elas o receberam de uma espécie ancestral comum e exclusiva, onde o estado primitivo se modificou, durante sua anagênese, no estado derivado.

Contudo, as análises evolutivas podem ocorrer sob diferentes óticas: analisando a morfofisiologia dos organismos, ou comparando-os com base em dados moleculares (sequências de bases, aminoácidos, proteínas, codificação gênica, tamanho do genoma e da região codificante), e os cladogramas resultantes de ambas análises agrupam de forma diferente os diversos táxons. E então, qual cladograma é o correto? Na biologia comparada, diante dessa situação “dúbia”, tomamos posse do conceito de parcimônia. Parcimônia vem do latim parcos e significa moderação, simplicidade. Aceitar como mais plausível o cladograma mais parcimonioso significa que o processo de evolução (descendência com modificação) é “econômico”, ou seja, provavelmente o caminho mais simples, com menos passos é o caminho que provavelmente representa a realidade. Além da parcimônia, é importante analisarmos um cladograma sob forma crítica, principalmente se temos os mesmos táxons analisados sob aspectos morfofisiológicos e sob aspectos moleculares. Um exemplo imaginário: pesquisadores tomaram organismos pertencentes a diferentes táxons, dentre eles, um exemplar de Cnidaria, outro de Arthropoda e uma Angiosperma (é, um grupo vegetal para tentar extrapolar nossa situação). Sob dados morfofisiológicos, é plausível pensar que, ainda que não tão aparentados, um Cnidaria e um Arthropoda são mais aparentados entre si do que qualquer um com uma Angiosperma, que pertence a outro reino. Vamos supor que, ao serem analisados dados moleculares, Arthropoda possui mais semelhanças com Angiosperma do que com Cnidaria. Embora este exemplo tenha sido exageradamente extrapolado, o intuito é sempre pensar parcimoniosamente e de forma coerente, porque há diversas análises moleculares “absurdas”.

O desenvolvimento da biologia evolutiva no decorrer dos tempos tem sido acompanhada, simultaneamente, pelo levantamento de questões, dentre elas: “Como explicar a biodiversidade?” .

A busca por respostas e explicações se aplica tanto a questões comportamentais quanto estruturais da biodiversidade. Nessa perspectiva, o estudo de tais pontos deve ser visto de maneira ampla e aberta, o que pode ser direcionado por perguntas que remetem a outros grupos que possuam a estrutura em foco, ao modo como o comportamento analisado se dá em outras espécies, ou ainda em quais casos ocorre aquele dado comportamento. A visão mais ampla do objeto de estudo, permite que se crie um contexto que proporciona melhor entendimento.Explicar a biodiversidade no planeta tem sido um assunto bastante discutido ao longo dos séculos, o que nos coloca na discussão entre fixismo e evolucionismo. Para os fixistas, os seres existem de maneira independente entre si, no que se refere a parentesco. Segundo sua teoria, as espécies surgiram tal como são hoje, para desempenhar uma determinada função na natureza que lhes foi atribuída pelo próprio Criador. Os evolucionistas, ao contrário, defendem o papel central da mudança no mundo natural, de forma que as espécies que hoje habitam a superfície terrestre não foram as mesmas no passado e não serão as mesmas no futuro. Portanto, a biodiversidade estaria relacionada com a escala temporal.Passando pelas teorias do conde de Buffon e Lamarck, cuja principal semelhança entre si era a idéia de que os primeiros organismos de um grupo eram gerados de maneira espontânea e diversificados daí em diante de acordo com condições específicas, chegamos ao ano de 1859, no qual foi lançado “A origem das espécies”, obra de Charles Darwin. Ao contrário das teorias anteriores, Darwin argumenta que a evolução não pode ser tratada de maneira linear, com a idéia de tendência ao aumento de complexidade, e sim uma estrutura ramificada que consistia num processo de divergência a partir de ancetrais comuns. Baseada nessa idéia e no conceito de seleção natural – conceito este cunhado por Wallace –, sua teoria encara a evolução como descendência com modificação ao longo do tempo.Como contraponto às idéias fixistas, temos exemplos de anatomia comparada, estudo de órgãos vestigiais, paleontologia e biogeografia, que enunciam por vezes alguns conceitos, como a idéia de convergência (estruturas que desempenham funções semelhantes como resposta a pressões seletivas semelhantes, mas que não estão relacionadas evolutivamente por surgirem de forma independente nos grupos em que estão presentes, como os olhos).Uma melhor compreensão da teoria evolutiva darwiniana se dá quando a estudamos por partes. Em primeiro lugar, a evolução ocorre. No darwinismo, um ponto-chave para que o processo ocorra é a diferenciação de espécies que se dá através de ancestrais comuns, nos quais estão as características presentes de grupos que surgem mais adiante na escala temporal. Outro aspecto muito importante é a visão de que a evolução ocorre em vários níveis, como a nível populacional ou a um nível genético, de modo que dentre um conjunto de possibilidades diversas, em condições naturais, seguem adiante aqueles que se nascem com uma gama de atributos que permitem que sua espécie venha a se propagar de maneira mais eficiente do que aquelas que disputam a ocupação de determinado lugar com a espécie original. Consequência disso, conforme são acumuladas diferenças numa população, ocorre a diferenciação em duas espécies – com isso, supõe-se que a evolução é cumulativa, gradual. Outra parte do estudo se posiciona no motivo da mudança: por que a evolução ocorre? O que motiva a mudança?O ambiente serve como agente limitante do crescimento populacional, inclusive de maneira intra-específica. Dessa forma, há competição na natureza em decorrência de recursos naturais. Os indivíduos que melhor aproveitam esses recursos produzem um maior número de descendentes e passam suas características adiante. Contudo, a seleção natural não é a única responsável pelo processo evolutivo, já que o acaso tem papel fundamental também.

O conceito de adaptação remete a um processo evolutivo no qual as modificações geradas são produto das pressões exercidas pela seleção natural.  A idéia de adaptação pode ser interpretada de duas formas. Uma delas é como processo. O processo pelo qual se passa para adequação a uma pressão externa. A segunda interpretação leva em conta o resultado da atuação da seleção natural, um fenótipo. Nessa visão, adaptação é uma característica (podendo ser fisiológica, comportamental, morfológica ou relacionada ao desenvolvimento) que através de um determinado cenário pode ser compreendida por meio de uma relação causal com as pressões que a selecionaram. A esse cenário específico, damos o nome de cenário adaptativo.

Dessa forma, para dar sustentação a uma boa hipótese de adaptação, o cenário adaptativo descrito deve ser igualmente plausível. Um exemplo de cenário adaptativo bem estruturado é o descrito para a evolução do cavalo moderno (gênero Equus). A abordagem geral da biologia evolutiva que enfatiza a importância da seleção natural acima de outros aspectos que possam interferir no processo evolutivo é chamada de adaptacionismo.

Ponto que merece especial atenção é o conceito de indivíduo. Quando se fala em adaptação, o termo indivíduo gera certa contradição, por ser relativo ao nível ao qual se aplica a seleção natural, e a esta última por sua vez pode atuar em níveis muito distintos. Consequentemente, as adaptações – como reflexo da atuação da seleção natural – podem ocorrer em níveis diversos, como num único organismo, ou numa população inteira, caso haja um aumento no fitness – valor adaptativo – do grupo.

Outro ponto que vale a pena ressaltar é a falsa idéia de que um caráter adaptado o torna ótimo, perfeito para determinada função. Exemplo que torna isso evidente é a idéia de que o olho humano é perfeito, muito embora o olho de um falcão possua capacidade visual absurdamente superior. Se nosso olho fosse perfeito, não faria sentido existir uma estrutura capaz de desempenhar o mesmo papel de maneira mais adequada. Ao passo que não é por enxergarmos menos que um falcão que nosso olho deixou de ser adequado às nossas necessidades.

Por outro lado, existem algumas restrições ao adaptacionismo. Em casos de caracteres polimórficos, podemos testar e verificar até que ponto uma característica pode conferir certa vantagem a quem a possua. Mas como é possível testar experimentalmente que um traço monomórfico aumenta o fitness de uma espécie? Em alguns casos, podemos inferir a partir de comparações com a forma como ocorre aquela mesma estrutura em espécies próximas, mas ainda assim é um teste bastante limitado. A idéia utópica de que cada traço de um organismo se faz presente por conferir a melhor solução possível para algum problema que o ambiente lhe impõe é bastante falha.

São apontadas quatro falhas cruciais no adaptacionismo. A primeira delas é referente à abordagem das estruturas para estudo. Se tratarmos cada característica de um organismo como uma resposta ideal para dada pressão, teremos que cada ser vivo seria um conjunto de respostas extremamente bem sucedidas, tendo cada uma delas um desenvolvimento evolutivo independente. O segundo grande problema, gira em torno do pensamento de que cada característica existe por ter sido selecionada para tal fim. Essa idéia deixa de levar em conta traços que hoje são simplesmente suportados, apesar de talvez em algum momento no passado terem conferido um aumento no fitness . Além disso, há também os casos em que uma estrutura  que foi selecionada por desempenhar um papel, pode ter adquirido uma nova função com o decorrer do tempo, como o que aconteceu com as penas das aves. O terceiro erro grave decorre de o adaptacionismo ignorar as demais evidências a teorias a serem consideradas além da seleção natural. O quarto grande problema se deve a não falseabilidade de uma hipótese adaptacionista, por vezes devido ao conhecimento escasso acerca das interações das espécies atuais com outras presentes somente no registro fóssil.  

Outro aspecto da evolução e que vem sendo muito discutido está relacionado com a escala em que atua. A discussão sobre micro e macroevolução abrange muitos aspectos. Sob uma visão, digamos, taxonômica, microevolução compreenderia os processos que se dão na população enquanto espécie, o grau taxonômico mais restrito. A macroevolução, por outro lado, incluiria os níveis hierarquicamente acima de espécie (famílias, gêneros, ordens etc). Nessa visão, a distinção entre os dois processos se dá de maneira intrinsecamente relacionada à escala de tempo utilizada. A macroevolução se aplicaria em escala de tempo maior, o que seria algo derivado de uma quantidade razoavelmente grande de gerações para aquela determinada espécie observada. A microevolução estaria então relacionada aos processos relacionados aos indivíduos dentro de uma mesma população, que convivem e, até certo ponto, interagem entre si. Essa dicotomia é baseada no argumento de que as maiores reorganizações cromossômicas ocorreram no tempo de especiação. Há quem defenda também que a macroevolução é, na realidade, uma espécie de somatória de processos microevolutivos, e afirme que estes últimos são o suficiente para a compreensão da evolução. Dhobzhansky, um dos co-autores da síntese evolutiva moderna (que une as idéias de seleção natural de Darwin aos estudos de hereditariedade genética e à genética populacional) defendia essa idéia.

A macroevolução pode ser vista como uma expansão das abordagens evolutivas, que visa o entendimento de processos como a origem e a extinção de grandes grupos de organismos, os controles de grandes radiações evolutivas, e explicações da diversidade genética e morfológica de organismos que observamos em vários momentos do registro geológico, abrangendo as transições evolutivas, que explicam a diferenciação nos grandes táxons, e as mudanças na distribuição ao longo do tempo e espaço.

A microevolução, por sua vez, pode ser pensada no nível dos alelos, diretamente relacionada com a freqüência destes. Os alelos presentes nos indivíduos de uma população podem se tornar mais raros ou comuns através de sucessivas gerações. Tal variação ocorre por meio de mutação ou migração de indivíduos portadores de diferentes alelos. Subsequentemente, essas mudanças afetam a freqüência dos alelos originais, ocasionando o que chamamos por substituição alélica. Sendo assim, podemos dizer que as populações periféricas, que sofrem isolamento geográfico, são as mais suscetíveis a formar uma nova população através da substituição alélica, inclusive por possuírem um número menor de indivíduos – de forma que é a ação da deriva genética tem impacto maior. Ao longo do tempo, essa população torna-se maior do que a população periférica inicial, o que, ao fixar estes alelos, altera a freqüência original.

Como ferramenta ao entendimento da macroevolução, temos o registro fóssil. A interpretação dessa ferramenta é um ponto chave na forma como se entende o desenvolvimento de grandes grupos. Para muitos, como Charles Darwin defendia, a evolução segue um gradualismo, com uma série de pequenas mudanças. Interpretação essa que desenhava a evolução como algo constante, e que não era refletida no registro fóssil, segundo Darwin, devido ao pouco conhecimento que se possuía. De fato, há uma série de lacunas no registro fóssil, em virtude de uma grande quantidade de fatores. Essas lacunas são ainda mais visíveis caso tentemos extrapolar a utilização do registro fóssil para a compreensão da microevolução, que envolve variações mais pontuais. As condições de fossilização (que envolvem tipo de solo, ação de intemperismo, presença de estruturas rígidas nos seres à serem fossilizados etc) é só um dos fatores que pode justificar essa lacuna. E mesmo quando os fósseis são formados e estão presentes nos solos, há a necessidade de que exista quem os encontre. A quantidade de paleontólogos no mundo não é suficiente para abranger todos os fósseis que podem existir.

Estudar a escala temporal e as condições sob as quais ocorreu o processo evolutivo permite, segundo defendia o paleontólogo George Gaylord Simpson, relacionar a quantidade de fósseis e sua longevidade. Quanto mais rápida a taxa de evolução de um táxon, menor é sua duração. Simpson defendia que existem processos que levam à mudanças rápidas e drásticas numa população, e que estes divergem das mudanças graduais que ocorrem numa espécie. Tais processos, ele chamou de “evolução quântica”.

Na contramão das idéias de gradualismo, cientistas como Stephen Jay Gould e Niles Eldredge propõem a existência do equilíbrio pontuado, que se apóia até certo ponto nas idéias de Simpson. Nessa teoria, a evolução não segue aquela mesma constância da visão defendida por Darwin e seus sucessores. Segundo essa visão, ao longo do tempo ocorrem intervalos com grandes alterações em meio à longos períodos em que as linhagens permanecem inalteradas.

 

 

 

 

- PARA SABER MAIS

Nesta seção, trazemos para você, leitor, links e livros úteis e interessantes acerca do assunto tratado na seção.


https://onlinelibrary.wiley.com/journal/10.1111/%28ISSN%291365-3113/homepage/virtual_special_issues.htm


https://www.ucmp.berkeley.edu/help/taxaform.html


https://evolution.berkeley.edu/evolibrary/article/evo_01


https://evolution.berkeley.edu/evolibrary/article/similarity_hs_01


https://tolweb.org/tree/


https://www.pbs.org/wgbh/evolution/


EL-HANI, Charbel Niño & MEYER, Diogo. Evolução: o sentido da biologia. Coleção Paradidáticos – série Evolução. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 2005.